Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor (Brasil,
2013) – Nota 9
Direção – Lúcio de Castro
Documentário
O jornalista e historiador Lúcio de Castro é comentarista do
canal ESPN Brasil e um dos maiores críticos contra os absurdos que estão sendo cometidos
pelas prefeituras, governos estaduais e governo federal em nome da realização
da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil. O gasto excessivo de dinheiro na construção
de estádios, a total descaracterização do estádios, principalmente o Maracanã,
as desapropriações e a elitização do futebol através dos preços altos dos
ingressos são temas que ele comenta diariamente junto com outros jornalistas do
canal, que por sinal é o único grande veículo da mídia que toca nestes assuntos
espinhosos de uma forma direta.
Esta apresentação é para aqueles que não o
conhecem saberem um pouco sobre o profissional por trás deste ótimo
documentário dividido em quatro episódios, que mostra como foi a relação entre
as ditaduras sul-americanas e o futebol. Cada episódio tem como tema um pais,
começando pelo Brasil e passando por Argentina, Uruguai e Chile, com este
último episódio tendo sido premiado como melhor longa do festival Cinefoot.
Lúcio de Castro utilizou como fonte o Arquivo Nacional, onde encontrou
imagens e documentos que comprovam a forte ligação do governo militar com o futebol,
corroboradas ainda por depoimentos de pessoas que viveram na época, sendo vários
personagens que foram perseguidos e torturados.
O episódio do Brasil mostra a
perseguição que o então treinador da seleção brasileira João Saldanha sofreu
por ser comunista e não ter medo de falar o que acreditava, uma entrevista com
o jornalista gaúcho Luís Cláudio Cunha, que por causa de um telefonema anônimo
descobriu o cativeiro onde um casal de uruguaios estava sendo mantido preso no
Brasil por torturadores ligados ao governo, fato que salvou os uruguaios e os
transformou nos únicos presos políticos que sobreviveram a maldita “Operação
Condor”, a chamada multinacional do terror que criou uma ligação direta com
troca de informações e de presos entre os repressores dos quatro países
sul-americanos.
Neste episódio. Lúcio revela alguns fatos que foram jogados para
debaixo do tapete da vida de dois famosos jogadores. Lúcio comprova a ligação entre
o ex-jogador e ex-comentarista da rede Globo Paulo Roberto Falcão com Pedro
Selvig, considerado o chefe da tortura no sul do país. A outra informação é
sobre Pelé. Um documento do DOPS comprova que Pelé foi ao local e contou que
havia sido procurado por comunistas brasileiros no exterior para assinar uma
lista de apoio, mas se negou, dedurou o sujeitos e ainda se dispôs a falar em
público para apoiar o governo. Dois fatos que os ex-atletas tentam apagar de
suas biografias.
Os outros episódios exploram bastante os emocionados
depoimentos de personagens que sobreviveram as torturas ou que tiveram parente
e amigos assassinados pelas ditaduras. No episódio da Argentina vale destacar a
insólita história contada por uma sobrevivente sobre os festejos do título da
Argentina na Copa do Mundo de 1978 e o depoimento de Mariana Zaffaroni, uma
das várias pessoas que quando bebês tiveram seus pais assassinados e foram
criados pelos torturadores, uma loucura sem limites.
No Uruguai, os destaques são
a eloquência do escritor Eduardo Galeano, que com muita sobriedade comenta
sobre o terror que a população daquele pequeno país sofreu e os depoimentos dos
jogadores uruguaios que atuaram no Mundialito de 1981 que fora criado pela Fifa
para ajudar o governo uruguaio e que no final se transformou em algo inesperado,
abalando a estrutura da ditadura.
O episódio do Chile é com certeza o mais
emocionante, com três depoimentos que valem todo o doc. O ex-editor do jornal
chileno Clarin, Alberto Gato Gamboa e os ex-jogadores da seleção chilena de
futetol, “Pollo” Veliz e Carlos Caszelly, contam detalhes do horror que o país
passou, com Gamboa do alto dos seus noventa e dois anos, comentando como foram
as torturas e como seus amigos da época se emocionam cada vez que se
reencontram. Por outro lado, Veliz e Caszelly não foram torturados por serem
astros de futebol, mas sofreram pelos amigos, inclusive com Caszelly tendo sua
própria mãe torturada como vingança por ele não ter cumprimentado o ditador
Pinochet durante um evento.
Além da “Operação Condor” em si, outro ponto em
comum nos quatro países foi a participação da Fifa como parceira das ditaduras.
Seja no circo do jogo da seleção chilena em que não havia adversário, passando
pelas Copa do Mundo de 1978 na Argentina e o Mundialito de 1981 no Uruguai, quase
sempre tendo a frente o brasileiro João Havelange, que também comandava o
futebol no Brasil e apoiava a ditadura.
O resultado é um documentário
obrigatório para quem deseja saber um pouco mais sobre uma época terrível para o chamado Cone Sul.
2 comentários:
Só vi o capítulo do Chile que passou aqui no CineFoot, tem depoimentos impressionantes mesmo. Ainda quero ver o resto. O futebol foi de maneira absurda utilizado pelas ditaduras na América Latina para distrair e enganar o povo. Lamentável.
bjs
Amanda - Os outros episódios mostram uma ligação ainda mais forte das ditaduras com o futebol.
Bjos
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