domingo, 11 de agosto de 2013

Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor


Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor (Brasil, 2013) – Nota 9
Direção – Lúcio de Castro
Documentário

O jornalista e historiador Lúcio de Castro é comentarista do canal ESPN Brasil e um dos maiores críticos contra os absurdos que estão sendo cometidos pelas prefeituras, governos estaduais e governo federal em nome da realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil. O gasto excessivo de dinheiro na construção de estádios, a total descaracterização do estádios, principalmente o Maracanã, as desapropriações e a elitização do futebol através dos preços altos dos ingressos são temas que ele comenta diariamente junto com outros jornalistas do canal, que por sinal é o único grande veículo da mídia que toca nestes assuntos espinhosos de uma forma direta. 

Esta apresentação é para aqueles que não o conhecem saberem um pouco sobre o profissional por trás deste ótimo documentário dividido em quatro episódios, que mostra como foi a relação entre as ditaduras sul-americanas e o futebol. Cada episódio tem como tema um pais, começando pelo Brasil e passando por Argentina, Uruguai e Chile, com este último episódio tendo sido premiado como melhor longa do festival Cinefoot. 

Lúcio de Castro utilizou como fonte o Arquivo Nacional, onde encontrou imagens e documentos que comprovam a forte ligação do governo militar com o futebol, corroboradas ainda por depoimentos de pessoas que viveram na época, sendo vários personagens que foram perseguidos e torturados. 

O episódio do Brasil mostra a perseguição que o então treinador da seleção brasileira João Saldanha sofreu por ser comunista e não ter medo de falar o que acreditava, uma entrevista com o jornalista gaúcho Luís Cláudio Cunha, que por causa de um telefonema anônimo descobriu o cativeiro onde um casal de uruguaios estava sendo mantido preso no Brasil por torturadores ligados ao governo, fato que salvou os uruguaios e os transformou nos únicos presos políticos que sobreviveram a maldita “Operação Condor”, a chamada multinacional do terror que criou uma ligação direta com troca de informações e de presos entre os repressores dos quatro países sul-americanos. 

Neste episódio. Lúcio revela alguns fatos que foram jogados para debaixo do tapete da vida de dois famosos jogadores. Lúcio comprova a ligação entre o ex-jogador e ex-comentarista da rede Globo Paulo Roberto Falcão com Pedro Selvig, considerado o chefe da tortura no sul do país. A outra informação é sobre Pelé. Um documento do DOPS comprova que Pelé foi ao local e contou que havia sido procurado por comunistas brasileiros no exterior para assinar uma lista de apoio, mas se negou, dedurou o sujeitos e ainda se dispôs a falar em público para apoiar o governo. Dois fatos que os ex-atletas tentam apagar de suas biografias. 

Os outros episódios exploram bastante os emocionados depoimentos de personagens que sobreviveram as torturas ou que tiveram parente e amigos assassinados pelas ditaduras. No episódio da Argentina vale destacar a insólita história contada por uma sobrevivente sobre os festejos do título da Argentina na Copa do Mundo de 1978 e o depoimento de Mariana Zaffaroni, uma das várias pessoas que quando bebês tiveram seus pais assassinados e foram criados pelos torturadores, uma loucura sem limites. 

No Uruguai, os destaques são a eloquência do escritor Eduardo Galeano, que com muita sobriedade comenta sobre o terror que a população daquele pequeno país sofreu e os depoimentos dos jogadores uruguaios que atuaram no Mundialito de 1981 que fora criado pela Fifa para ajudar o governo uruguaio e que no final se transformou em algo inesperado, abalando a estrutura da ditadura. 

O episódio do Chile é com certeza o mais emocionante, com três depoimentos que valem todo o doc. O ex-editor do jornal chileno Clarin, Alberto Gato Gamboa e os ex-jogadores da seleção chilena de futetol, “Pollo” Veliz e Carlos Caszelly, contam detalhes do horror que o país passou, com Gamboa do alto dos seus noventa e dois anos, comentando como foram as torturas e como seus amigos da época se emocionam cada vez que se reencontram. Por outro lado, Veliz e Caszelly não foram torturados por serem astros de futebol, mas sofreram pelos amigos, inclusive com Caszelly tendo sua própria mãe torturada como vingança por ele não ter cumprimentado o ditador Pinochet durante um evento. 

Além da “Operação Condor” em si, outro ponto em comum nos quatro países foi a participação da Fifa como parceira das ditaduras. Seja no circo do jogo da seleção chilena em que não havia adversário, passando pelas Copa do Mundo de 1978 na Argentina e o Mundialito de 1981 no Uruguai, quase sempre tendo a frente o brasileiro João Havelange, que também comandava o futebol no Brasil e apoiava a ditadura. 

O resultado é um documentário obrigatório para quem deseja saber um pouco mais sobre uma época terrível para o chamado Cone Sul.

2 comentários:

Amanda Aouad disse...

Só vi o capítulo do Chile que passou aqui no CineFoot, tem depoimentos impressionantes mesmo. Ainda quero ver o resto. O futebol foi de maneira absurda utilizado pelas ditaduras na América Latina para distrair e enganar o povo. Lamentável.

bjs

Hugo disse...

Amanda - Os outros episódios mostram uma ligação ainda mais forte das ditaduras com o futebol.

Bjos