sábado, 15 de março de 2014

Cannon Group

Escrever sobre os grandes estúdios e os produtores famosos não é meu foco, porém eu considero interessante a história da Cannon Group, que pode ser comparada com as aventuras picaretas que ela mesma produziu durante os anos oitenta.

Os cinéfilos que viveram na época com certeza se lembram da América Vídeo, empresa distribuidora dos filmes da Cannon no Brasil. Em cada fita VHS antes de começar o filme, o cinéfilo era "presenteado" com a famosa propaganda da Pousada do Sandi de Parati, que deveria ter alguma ligação extremamente próxima com os donos da distribuidora e principalmente pelos intermináveis trailers dos "sucessos" da Cannon. No final de um clip com diversas cenas de ação destes filmes, o narrador soltava a frase "nossos filmes explodem como dinamite", o que era quase uma piada, pois a maioria dos longas eram verdadeiras bombas.

Tudo começou nos anos sessenta em Israel, quando os primos Menahem Golan e Yoram Globus produziram filmes que fizeram algum sucesso no país. Em meados dos anos setenta, o objetivo da dupla era alcançar o mercado internacional. Para atingir o objetivo, o primeiro passo foi produzir um longa protagonizado por atores americanos conhecidos. Eles conseguiram contratar Robert Shaw,  Richard Roundtree, Barbara Hershey e Shelley Wintes para um filme sobre um assalto chamado "Diamantes". Os quatro eram famosos na época, mas mesmo assim o filme não chamou a atenção.

O sucesso acabou chegando de forma inesperada com "Operação Thunderbolt" de 1977, longa que tinha como rostos conhecidos apenas o veterano problemático Klaus Kinski  e a estrela de filmes B Sybil Danning. A trama sobre a história real do sequestro de um avião que saiu de Israel e foi levado para Uganda fez a dupla de produtores ficar conhecida fora de Israel.

No ano seguinte conseguiram novo sucesso. A comédia adolescente "Lemon Popsicle" foi um estouro de bilheteria em Israel, enchendo o bolso da dupla que viu assim a chance de chegar a Hollywood.

Em 1979 eles criaram a Cannon e começaram a produzir filmes de baixo orçamento direto em solo americano, com destaque para "Ninja - A Máquina Assassina", que tinha o italiano Franco Nero e o japonês Sho Kosugi lutando Kung Fu e que fez algum sucesso, mesmo sendo um longa rudimentar.

A chance de crescimento surgiu quando o produtor italiano Dino de Laurentiis desistiu da sequência de "Desejo de Matar" e vendeu os direitos para a Cannon. O próprio Menahem Golan queria dirigir, mas o astro Charles Bronson disse que somente faria o filme se a direção ficasse com seu amigo Michael Winner, que comandou o original. Bronson conseguiu seu objetivo e o filme fez sucesso.

No mesmo ano (1982), a Cannon teve outro sucesso com a refilmagem de "Lemon Popsicle", que foi rebatizado como "O Último Americano Virgem". O título sacana e as cenas de nudez fizeram o filme ser lançado por aqui apenas em 1984 com censura para dezoito anos.

A partir daí a produtora passou a investir basicamente em três tipos de filmes que resultaram em poucos sucessos e diversos fracassos. O filmes de ação eram o foco principal, quase todos com baixo orçamento e encabeçados por um astro. Charles Bronson (outras três sequências de "Desejo de Matar" e vários longas policiais), Chuck Norris ("Invasão aos EUA", "Bradock I, II e III" e "Aventureiros do Fogo"), Michael Dudikoff  (a série "Guerreiro Americano - American Ninja") e Richard Chamberlaind ("As Minas do Rei Salomão" e "Allan Quatermain e a Cidade do Ouro Perdido"), sem contar diversos outros filmes ainda mais fracos.

O segundo tipo eram filmes que se seriam considerados de arte, como "Camorra" de Lina Wertmuller, o drama erótico "Berlin Affair" de Liliana Cavani, "Os Amantes de Maria" e "O Expresso para o Inferno" de Andrey Konchalovsky, "Louco de Amor" de Robert Altman e "Barfly" de Barbet Schroeder que são os exemplos principais. São longas interessantes, porém todos deram prejuízo.

O terceiro estilo foi aquele que levou a produtora a falência nos anos noventa. Os filmes de ação que citei davam um razoável retorno nas bilheterias e um grande lucro no mercado de vídeo que estava em expansão na época. Provavelmente a ganância em aumentar o lucro e o ego da dupla de donos para transformar a produtora numa gigante, fizeram com que a Cannon começasse a investir em grandes produções e quebrasse a cara.

Os primeiros grandes fracassos da produtora ocorreram em 1984, quando o drama político "O Embaixador" (último trabalho de Rock Hudson no cinema) e a horrorosa aventura "Bolero" dirigida por John Derek e estrelada por sua esposa, a "mulher nota mil" Bo Derek, naufragaram nas bilheterias.

No ano seguinte a ficção "Força Sinistra" até fez sucesso nos cinemas, porém o enorme orçamento que estourou várias vezes, principalmente pelos problemas com o diretor enganador Tobe Hooper resultou em um grande prejuízo. A produtora gastou muito dinheiro contratando profissionais do primeiro escalão de Hollywood para a parte técnica e para os efeitos especiais, que realmente se mostraram ótimos para época, porém a narrativa confusa deixou o filme aquém do potencial.

Em 1986 a situação melhorou para Cannon com dois sucessos de bilheteria. Golan conseguiu contratar Sylvester Stallone para a filmagem de "Cobra", que não é um grande filme, mas que fez sucesso. O outro acerto foi a aventura "Comando Delta", que era uma refilmagem turbinada de "Operação Thunderbolt" do mesmo Golan e que trazia um grande elenco encabeçado por Chuck Norris e pelo veterano Lee Marvin. Analisando friamente como cinema o filme tem muitas falhas, mas como diversão ele é ótimo. Como informação, esta mesma trama tem uma outra versão de 1976 chamada "Resgate Fantástico" que foi dirigida pelo também israelense Irvin Kershner.

Em contrapartida, outros três filmes caros da produtora fracassaram no mesmo ano. O policial "Nenhum Passo em Falso" de John Frankenheimer e outros dois trabalhos de Tobe Hooper, a ficção "Invasores de Marte" e a continuação de "O Massacre da Serra Elétrica". Estes péssimos trabalhos afundaram a carreira de Hooper e empurraram um pouco mais a Cannon para o buraco.

O ano de 1987 seria decisivo para a produtora, que arriscou muito dinheiro em várias produções ao mesmo tempo e fracassou miseravelmente. Seis filmes definem o que ocorreu com a Cannon. O drama sobre o Vietnã "Hanoi Hilton" e os filmes policiais "Armação Perigosa" e "A Marca do Passado" eram as apostas como filmes sérios, sendo que o último tinha roteiro do famoso dramaturgo Norman Mailler e foi levado a disputar o Festival de Cannes onde fracassou completamente.

Os outros três filmes foram aqueles que afundaram financeiramente a Cannon. A adaptação do desenho He-Man para o cinema chamada "Mestres do Universo" foi detonada pela crítica, assim como o equivocado "Superman IV - Em Busca da Paz" e para finalizar, Golan pagou uma fortuna para Stallone protagonizar "Falcão - O Campeão dos Campeões", com a certeza de que apenas a presença do astro já renderia uma grande bilheteria, o que se mostrou um enorme erro estratégico.

Este foi o último ano relevante da produtora, que ainda produziu "O Último Dragão Branco" e "Cyborg - O Dragão do Futuro", os dois primeiros filmes de Van Damme que fizeram sucesso, principalmente em vídeo.

Em 1989 a Cannon fechou as portas, terminando a parceria de vinte e cinco anos entre Menahem Golan e Yoram Globus. Golan criaria uma nova produtora no ano seguinte, a 21st Century Film Corporation que funcionou durante alguns anos sem produzir nada relevante.

Como curiosidade, no auge da Cannon a dupla de produtores chegou a ter em mãos os direitos de adaptação para o cinema de O Homem-Aranha, mas ainda bem que o projeto não saiu do papel, mesmo lembrando que em 1990, um ano após a falência da Cannon, Golan chegou a produzir e lançar em vídeo um longa de baixo orçamento sobre "O Capitão América".

5 comentários:

Filme Lixo disse...

Saiu uma lagrima quando li esse post... Que saudade da década de 80/90...

renatocinema disse...

Belo texto.....Pousada do Sandi....viagem no tempo total.

Como disse o companheiro acima.......nostalgia com lágrimas.

Hugo disse...

Filme e Renato - Para quem viveu na época, surgem muitas lembranças ao ler sobre os filmes que citei.

Abraço

Rodrigo Mendes disse...

Muito bom o seu artigo, parabéns.
Eu tenho uma relação de filmes guilty pleasure com a Cannon, rs
Menahem Golan e Yoram Globus também são responsáveis pela minha formação cinéfila.

Abraço,
Rodrigo
http://cinemarodrigo.blogspot.com.br/

Hugo disse...

Rodrigo - Com certeza, foram vários filmes ruins que divertiram uma geração.

É uma das minhas postagens preferidas. É a lembrança sentimental de uma época.

Abraço