quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Que Horas Ela Volta?

Que Horas Ela Volta? (Brasil, 2015) – Nota 8
Direção – Anna Muylaert
Elenco – Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karine Teles, Lourenço Mutarelli, Helena Albergaria, Luís Miranda, Theo Werneck.

Há alguns anos trabalhei em uma empresa onde a relação entre funcionários e chefia era péssima. O clima era o pior possível, mas mesmo assim, várias pessoas estavam trabalhando há quatro, cinco, seis anos no local, sempre reclamando pelos cantos, mas nunca assumindo uma posição. Fiquei em torno de um ano na empresa e na primeira chance pedi demissão. 

Neste local, trabalhei com um rapaz simples, morador da periferia, que repetia uma frase que resume bem este ótimo filme nacional: “A gente abraça o que sistema oferece”. Vejo esta frase como o cúmulo da resignação. Como se dissesse, “sobrevivo com esta droga de emprego, mas tenho medo de perdê-lo porque minha vida pode piorar”. 

A história da empregada doméstica Val (Regina Casé) é basicamente isso. Ela mora em um quartinho nos fundos da mansão de uma família rica no bairro do Morumbi em São Paulo e segue uma rotina de preparar café da manhã, almoço e jantar, limpar a casa e lavar a roupa, até voltar para o quartinho a noite. 

Ela cuida do filho do casal, o adolescente Fabinho (Michael Joelsas) como se fosse seu próprio filho. A dona da casa é a fútil Bárbara (Karine Teles), que ao mesmo tempo em diz que Val é da família, a trata como se fosse um objeto qualquer em várias situações. O marido Carlos (Lourenço Mutarelli) é um sujeito sem personalidade ou ambição, que vaga pela casa como um zumbi. O relacionamento de Val com a família de patrões vira de ponta de cabeça quando sua filha Jéssica (Camila Márdila) chega do nordeste para prestar vestibular e passa a questionar as atitudes de todos na casa. 

Como hoje vivemos em um país onde o vitimismo está na moda, muitos consideram o filme uma luta entre o capitalista opressor e o pobre oprimido. Eu vejo de forma diferente, a relação entre Val e os patrões é semelhante a toda relação de trabalho, que mesmo quando aparentemente existe uma ligação por afinidade ou por tempo de convivência, no fundo é uma situação frágil mantida pelo dinheiro. Em um momento de crise ou em que um dos lados passa a entender que não precisa mais do outro ou ainda quando deseja algo a mais, a relação acaba. 

Esta complexa teia que mistura relações pessoais com trabalho é o ponto principal deste filme, que toca ainda na questão do medo da mudança e na ambição de ter o controle sobre a própria vida, situação enfatizada na personagem da jovem filha de Val. 

Finalizando, não gosto da figura de Regina Casé, seu programa de tv é uma das várias porcarias que a tv aberta empurra goela abaixo do espectador, mas procurei deixar isso de lado para aproveitar este ótimo drama.   

6 comentários:

Pedrita disse...

eu acho que a empregada dessa família até vive bem e como foi educada a achar essa vida ótima, nem percebe o regime de semi-escravidão que vive. mesmo as domésticas das casas vizinhas, deviam na maioria passar pelo mesmo. precisou de uma filha de outro universo para fazer a mãe compreender o quanto era desrespeitada, mesmo que efetivamente nunca fosse agredida verbalmente. tudo nesse filme é subliminar como muitas relações como essa. o famoso como se fosse da família e a pessoa realmente acredita. ela só percebe q essa frase não é verdadeira qd algo não vai bem. qd a doméstica fica doente, qd tem problemas familiares, qd a família muda de endereço e troca o membro da "família", contrata outra. só aí a doméstica começa a perceber que não é da família. sistema cruel. no brasil algumas empresas ainda utilizam um sistema parecido. tratam funcionário como se fosse da família. mas muitas empresas já profissionalizaram. como no ambiente doméstico tudo se mistura. parecem parentes mas não são é que as relações ficam mais cruéis e delicadas.

Pedrita disse...

o post sobre esse filme no meu blog está aqui http://mataharie007.blogspot.com.br/2015/09/que-horas-ela-volta.html

Hugo disse...

Pedrita - Muitas vezes, até mesmo as relações pessoais são quebradas em momentos de crise ou por causa de dinheiro. Nas relações de trabalho a situação é mais complicada. A questão de falar que alguém é amigo ou da família é apenas de fachada, na realidade a relação só existe por causa dos interesses mútuos e do dinheiro.

Bjos

Marília Tasso disse...

Esse filme me tocou muito, pois minha mãe sempre foi doméstica e trabalhou na casa de pessoas do estilo de Barbara, que diz que é da família, mas exibe olhares de reprovação o tempo todo. Eu ia com ela para o emprego, pois era pequena e não tinha onde me deixar, os patrões deixavam e me 'tratavam' bem, lembro-me de ficar o tempo todo na sala assistindo TV, mas ao adquirir uns 11, 12 anos, percebi que incomodava e vi que eles queriam que eu ajudasse minha mãe nos serviços da casa. É uma situação estranha e complicada ver sua mãe se submeter a pessoas tão mesquinhas que se acham superiores. No fim das contas ela abriu os olhos e se demitiu.
Que Horas Ela Volta? é um filme simples e retrata muito bem essa relação hipócrita entre patrão e empregado. Regina Casé fez perfeitamente a personagem. Gostei muito!

*Gostaria de avisar que infelizmente meu blog "Pitada de Cinema Cult" foi removido pelo google por estar associado a um site de downloads, mas fiz outro com um nome parecido e estou adicionando as resenhas aos poucos. Obrigada! Abraços!
http://pitadacultdecinema.blogspot.com.br/

Hugo disse...

Marília - Você sentiu na pele a situação, viu como é complicada esta relação.

O filme é muito bom, ao mesmo tempo simples na abordagem e complexo nas relações.

Estou tentando linkar seu blog aqui, mas o blogger ainda está ligando ao seu endereço antigo. Depois tentarei novamente.

Sempre que puder visitarei seu blog.

Bjos.

José Gomes disse...

Esse é um dos melhores filmes brasileiros dessa década, conduzido de forma bem simples e com uma crítica imensa para a sociedade. Comentei sobre ele aqui: https://consideracoessobrefilmes.blogspot.com.br/2017/06/que-horas-ela-volta.html