quinta-feira, 27 de junho de 2013

Passe Livre & Subterrâneos do Futebol


Passe Livre (Brasil, 1974) – Nota 7
Direção – Oswaldo Caldeira
Documentário

Analisando como cinema, este documentário é apenas correto, mas sua importância é enorme como registro de um fato histórico no futebol brasileiro. O doc conta o chamado “Caso Afonsinho”, o primeiro jogador de futebol brasileiro a conseguir o passe livre. Muitos da geração atual provavelmente não sabem como funcionava os contratos entre clubes e jogadores no Brasil até 1998 quando foi assinada a Lei Pelé. Até esta data, os jogadores ficavam presos aos clubes através de um instrumento chamado “passe”, que fora criado com a profissionalização do futebol no mundo no início do século passado. 

Para entender como funcionava, darei um exemplo. Um jogador que se destacasse nas categorias de base (na época chamada de juvenil) recebia do clube a oferta para assinar um contrato como profissional. O jogador que conseguia esta chance assinava sem pensar, porém ao final do contrato ele poderia mudar de clube apenas se fosse vendido ou se o seu clube o dispensasse, caso contrário ele era obrigado a assinar um novo contrato, na maioria das vezes por um salário indesejado ou ficar parado até mesmo por meses sem receber salário, até que fosse resolvida a situação. Esta relação quase feudal foi o estopim do “Caso Afonsinho”. 

Afonsinho apareceu para o futebol no Botafogo em meados dos anos sessenta, se tornou um jogador de destaque, inclusive sendo capitão do time. Os problemas começaram em 1970 quando ele teve um atrito com o treinador Zagalo. A diretoria do clube decidiu afastar o jogador e ao mesmo tempo o colocou à venda por um valor absurdo, o que fez com que ele fosse obrigado a aceitar jogar pelo pequeno clube chamado Olaria. Após seis meses ele retornou ao Botafogo e foi novamente afastado. 

A injustiça revoltou o jogador, que era na época estudante de medicina e tinha um nível cultural acima da média de um atleta comum. Para resolver o caso, ele contratou um advogado e entrou na justiça solicitando sua liberação do clube. Ele perdeu no Tribunal do Rio de Janeiro, mas venceu no Tribunal em Brasília, se tornando o primeiro jogador a ganhar o passe na justiça. O fato poderia ter mudado a relação entre atletas e clubes no país, porém a falta de união dos jogadores fez com o fato fosse uma vitória isolada, continuando a mesma relação até 1998. 

O fim do passe em 1998 foi uma conseqüência do chamado “Caso Bosman”, onde o jogador belga Jean Marc Bosman foi impedido de se transferir do Liege da Bélgica para o pequeno Dunquerque da França e recebeu como proposta de renovação de contrato um salário 75% menor do que recebia. Bosman entrou na justiça da Bélgica em 1990 e o caso rolou até 1996 quando a Corte Européia deu ganho de causa ao jogador, gerando uma jurisprudência que se tornou uma bola de neve e obrigou a Fifa e os clubes europeus a extinguir o passe, dando liberdade aos atletas mudarem de clube sem custos ao final do contrato. 

Subterrâneos do Futebol (Brasil, 1965) – Nota 6
Direção – Maurice Capovila
Documentário

Este curioso documentário mostra de forma superficial os problemas envolvendo o futebol brasileiro no início dos anos sessenta. A proposta do diretor Maurice Capovila é interessante, ele intercala momentos em que mostra Pelé no auge da fama após o Santos se campeão paulista em 1964, com os elogios e abraços de dirigentes e torcedores, com outros em que vemos brigas na torcida e a realidade de vida dos jogadores. 

Depoimentos mostram como a vida de jogador de futebol era complicada naquela época, em especial do zagueiro Zózimo, que por uma década jogou no Bangu e foi campeão do mundo pela seleção brasileira em 1962, porém após uma derrota do clube em 1964, acabou acusado por um diretor de ter se vendido, foi dispensado e obrigado a jogar no clube pequeno, já que ficou marcado injustamente pela acusação. 

O documentário mostra o jogador como um objeto descartável, que tem poucos anos de carreira para tentar ganhar algum dinheiro, mas que por diversos fatos pode ter a carreira abortada e ficar sem opções para ter uma vida digna, isso no contexto daquela época. 

Esta abordagem melancólica é utilizada para o final da obra, que mostra uma famosa partida em 1964 na Vila Belmiro, o estádio do Santos, onde o alambrado desabou e dezenas de torcedores ficaram feridos. 

É uma pena que a narrativa não se aprofunde nos temas, já que o registro cinematográfico do futebol brasileiro é pequeno e a proposta inicial poderia ter rendido um documentário bem melhor.

2 comentários:

Amanda Aouad disse...

Interessante, bons resgates para uma época de reflexões, ainda que seja apenas sobre o mundo dos jogadores de futebol.

bjs

Hugo disse...

Amanda - São poucos os filmes ou documentários antigos sobre futebol. Estes são dois exemplos.

Bjos